terça-feira, 29 de março de 2016

Nós

Eu tenho um quarto só pra mim. É engraçado, porque eu poderia encher esse lugar de gente, de som, de algazarra. Mas não. O espaço já está dominado pelos pensamentos a mil alternados com outros mil bocejos e muita, muita comida.
Esqueci de dizer que aqui não há lugar para o tal do fitness. Mesmo que ele seja bonito, recite Pessoa e me ligue no dia seguinte.
Eu tenho um espelho nesse quarto. É nele que eu vejo como esse lugar me engorda. O frio, a preguiça, a saudade – encontrei as melhores desculpas do mundo para crescer em todos os sentidos possíveis e imagináveis. Dizem que essa coisa de viajar faz você ganhar coisas essenciais pra sua vida. Fotos estão no pacote. Ah, e quilos, muitos quilos.
Eu não me importo com os quilos.
Mentira, eu me importo.
Mas me puno por me importar.
E depois me puno por engordar.
Mais alternâncias.
Sim, tô sozinha. Tem a vizinha, tem a colega da faculdade que hoje me salvou ao me explicar alguma questão à prova do meu translater interno, tem sempre alguém pra dizer “hola”, essas coisas. Não tem mãe. Não tem vó. Não tem tia. Não tem amigo, amiga, crush. Moreco? Até da incrível arte de me apaixonar eu desapeguei. Tem nadica.
Mas tem eu, que contenho o sorriso na selfie pra não deixar um olho menor que o outro. E tem eu mesma, que chora quando algum músico de rua toca “Desafinado” e não aguenta mais as dublagens forçadas em espanhol. E tem a Irene, que aqui é muito bem representada pelo Wagner Moura. Sim, eu precisava de uma Irene pra arrematar esse parágrafo. E do Wagner eu preciso/eu conto sempre. Por que não unir o útil ao agradável?
Nós vivemos felizes nesse quarto, nesse continente, nesses parques. Somos mais felizes quando faz sol, é verdade, mas também gostamos da chuva – é um boa desculpa pra acordar tarde, e como você já percebeu, adoramos desculpas. Menos as do Justin Bieber.
Nós comemos, engordamos, choramos, rimos, discutimos, dançamos, cantamos, dormimos, acordamos, olhamos para o teto, exploramos mapas, sentimos saudades. Somos livres como todos os outros. Vivemos em prisões especiais que nós mesmos criamos. Mas sabe como é: cada um precisa de uma prisão de estimação, se não quem vai arcar com os seus anseios? Vai deixar eles dando bobeira por aí? Daqui a pouco você tá aí, maior que o mundo, sem caber num quarto, numa casa, num planeta. Essas coisas são perigosas (e metafóricas) demais!
Nós somos assim: começamos na simplicidade e terminamos descobrindo que somos especiais. Ou simplesmente diferentes. De tudo um pouco. Nada, ninguém, coisa alguma. Somos quem podemos ser, já dizia a canção.
Somos cinco horas a mais no relógio. O que nos lembra que já é madrugada por aqui. Vamos nos apertar no colchão. Enrolados, nossos braços preenchem seus espaços imaginários; logo estaremos em outra dimensão.
Pela glória de Nossa Senhora da Passiflora.

(Ouça Sozinho, Caetano Veloso)

(Linsay Kustusc)




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