Aqui é tudo diferente.
O horário, o clima, a neblina, o volume de chuva.
Até os seriados daqui são diferentes.
Aqui você se perde em becos, em igrejas, em monumentos.
Aqui você se guia pelo cheiro das tapas ou pelo tilintar das taças de vinho.
Aqui todo mundo tem hora pra descansar - mesmo que não esteja cansado.
Não vejo aviões no céu daqui.
Mas vejo o sol que, todo dia, mesmo que seja só por alguns minutinhos, arromba as nuvens e aparece, brilha, arrancando um sorriso de quem quer que seja.
Aqui amanhece tarde, anoitece tarde, a vida é uma eterna tarde.
O velho se mistura com o novo, ou envelhece o novo. Sei lá, parece que você quer viver tudo de novo.
Aqui tem uma magia louca, que vai além das palavras do tal alquimista.
Aqui é todo mundo simples, sério, simpático.
Às vezes, é tão perfeito que parece ser feito de plástico.
Até você perceber que aqui, meu amigo, aqui é tudo de pedra.
Petrificado.
Aqui você conta o tempo, mas quando dá por si, mal começou e já se perdeu.
Aqui tem verde, tem cinza, tem marrom.
Tem as mil cores dos cachecóis.
Tem caminhos esquecidos.
Tem becos,
Tem sossego.
Tem descoberta e fascinação.
Aqui tem saudade, muita saudade.
Aqui não existe, é lenda.
É história.
É um quarto escuro.
É um pub entre cristos e cristais.
É um mito.
É bruxaria.
É oração.
É indeterminado.
Inacabado.
Impressionante.
(Ouça sou seu sabiá, Marisa Monte)
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
domingo, 10 de janeiro de 2016
Rituais
Resolvi dar uma pausa nos romances –
bom, em todos os sentidos. Comecei um livro bem interessante, um desses livros que
mais parecem documentários: “Rituais ontem e hoje”, da antropóloga brasileira Mariza
Peirano. Curtinho, devo acabar ainda essa semana, antes de embarcar para a
Espanha e iniciar uma nova fase neste blog.
Ah,
sim, sobre o livro. Ainda não terminei. Mas o pouco que li – creio que já estou
na metade – me fez refletir bastante sobre a ideia de que somos o que fazemos.
Creio que essa teoria que minha interpretação sustenta não se encontra na obra,
mas ora, essa coisa de interpretação de texto é bem relativa, não é mesmo? Pois
bem. Maria diz que nessa eterna guerra entre orientais e ocidentais, há a ideia
de quem é racional ou não (escrachadamente dizendo: como se nós ocidentais nos
sentíssemos superiores aos orientais que, em nossa visão míope, não passam de
retardados). Os orientais têm maior respeito pela religião e por valores
sociais de cunho histórico e espiritual – tudo ao mesmo tempo. Seus rituais são
literalmente sagrados – não são como nós, que disfarçamos as necessidades da
nossa consciência com o termo “hábito”, “mania”, “TOC” (para os que não
conhecem a doença e se apropriam do nome por gostarem de fazer graça usando uma
hipérbole).
Não
vou me aprofundar nessa rixa que existe desde que o mundo é mundo. Prefiro me
voltar apenas para aquele fato que eu já citei anteriormente, e que pretendo
defender com unhas e dentes nesse post - ok, sem tanta agressividade. Como eu
ia dizendo, somos o que fazemos. Parece uma frase idiota (e realmente é), mas
faz todo sentido se focarmos na questão do ritual abordada no livro que tem me
botado para dormir nos últimos dias. Não seríamos nada sem nossos rituais, e
isso independe do lugar de onde somos. Ocidente e Oriente precisam de suas
próprias regras – falo das individuais, lógico.
O mais
interessante do ritual é o fato de que ele é uma regra que você cria e que
ninguém pode derrubar. É a forma como você leva a sua vida, como se sente bem.
Eu, por exemplo, só me sinto realmente pronta para o meu dia quando bebo um
copo d’água antes de ingerir qualquer tipo de alimento, até mesmo um leite, um
café, um suco. É comprovado cientificamente que a água nos limpa dos ácidos e
outros paranauês que ficam retidos em nosso corpo durante a noite, mas pra mim
é muito mais do que uma limpeza biológica. É como se eu ativasse os meus
sentidos, como se eu despertasse, realmente me acostumasse com a ideia de que o
dia nasceu – pro dia nascer feliz, ou melhor, pro dia simplesmente nascer para
mim. Tenho outros rituais também, como gritar “calma” quando estou sozinha no
elevador, porque acredito realmente que os cabos de aço me ouvirão e me deixarão
fazer meu caminho em paz.
No entanto,
acredito mais nos rituais internos, íntimos, chame como quiser. No momento,
recordo-me apenas de um. Sempre penso as piores coisas que podem acontecer a
respeito de uma determinada situação. Quanto mais eu penso, mais eu distancio
de presenciar esse momento aparentemente terrível. Este ritual é ótimo, porque
fortalece a ideia de que a vida é uma caixinha de surpresas – e realmente ela
é. No entanto, vivo sendo iludida por mim mesma. Imagino coisas maravilhosas;
mais do que imagino, sonho, e quando sonho, tenho certeza de que nunca vai
acontecer, é só o meu subconsciente treinando seu talento para o humor. Meu
pensamento é como vassoura voadora que ainda não sei controlar. Deve ser isso.
Rituais são
mais do que receitas para um bom dia ou simpatias. Extrapolam a tal da magia
negra que tantos trouxas denunciam sem ao menos lerem um pouco. Os rituais
fazem parte da cultura de um grupo, de uma sociedade inteira, de uma colônia de
sobreviventes. É a prova viva de que estamos vivos, e mais do que isso: podemos
desafiar o tempo executando as mesmas práticas dos nossos ancestrais, ou
podemos simplesmente criar os nossos rituais, as engrenagens da nossa
consciência, as nossas próprias certezas que ultrapassam os conceitos do corpo
e do espírito. Pode parecer uma coisa louca demais, que bom. É ótimo quando
parece louco e incompreensível: é a prova de que estamos no caminho certo.
Não fazemos
o que somos. Somos o que fazemos. É simples e não é.
(Ouça Stars, The XX)
(William Hawkins)
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