Olhando
a folha em branco, sinto todos os meus planos se amontoarem e se transformarem
em desenhos de um livro de colorir. Todos em preto em branco, como fotografias
aleatórias na memória estúpida de uma câmera qualquer, um grupo de mil
fotografias de onde apenas uma considerada boa sai. Olhando para a janela,
vislumbro as coisas mais lindas que a vida nos dá mas a gente finge que não vê,
porque esse jogo parece bacana, esse jogo estranho de viver e reclamar, como se
realmente estivéssemos insatisfeitos – só estamos com preguiça de aplaudir o
tempo todo, é isso. Haja otimismo pra pouco parágrafo.
Olhando
o tempo que muda sem parar atacando minha alergia e me tirando da zona de
conforto, sinto meu rosto gelado, meu cabelo molhado, minha vida intacta
esperando aviões. A música diz tudo... “Sou pista vazia esperando aviões”.
Parece indecente... E talvez seja, porque tudo na vida é indecente, da escova à
pasta de dente, do céu à rima carente (pra não dizer pobre), deu pra entender?
Me lembro daquele réveillon de trânsito infernal e risadas de agonia, me lembro
do tempo em que eu não tinha do que me lembrar porque era uma criança e a
memória ainda não tinha história pra contar, me lembro de cada coisa que cê não
acreditaria, acredite. Eu me lembro até do que não vivi. Seria este um caso de
poderes sobrenaturais?
Olhando
a TV desligada, penso nos programas que percorrem a grade dessa madrugada. Sim,
madrugada rima com desligada, e isso é interessante porque faz todo o sentido.
O sentido é todo feito de coisas assim, óbvias, loucas, quase imperceptíveis,
indefectíveis como o vestido da garota nacional, inenarráveis como essas
novelas doidas que são exibidas, essas histórias que não têm nada a ver com a
nossa, como os sussurros de lamentações que percorrem a mesma madrugada com a
TV desligada, e agora eu sinto a tocha olímpica arder na minha mão depois de
completar essa volta tresloucada com as palavras.
Olhando
ao meu redor, vejo bagunça, lamúria, lágrima, dor. E eu não sou médica,
exorcista, feiticeira. Só me resta esperar, assistir, entender. Rezar, mas não
muito alto para não acordar os vizinhos. Beber um copo d’água, se fazer de
sorte, aguardar as cenas dos próximos capítulos... Essas novelas são mesmo
péssimas.
Olhando
mais um pouco... Não há mais o que olhar. A vista embaçada grita. Vamos decolar.
A noite é uma criança, e o futuro está onde deve estar. Deixa isso pra lá, vem
pra cá, o que é que tem.
Por
hoje, é só.
(Ouça Resposta ao tempo, Nana Caymmi)
(Marius Brede)
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