Talvez eu deva
começar falando sobre essas unhas roídas e esse bando de ideias que pisoteiam o
meu corpo, porque é exatamente assim que eu me sinto nesse momento: pisoteado.
As paredes brancas do quarto chegam a ser escuras de tão claras, e como isso
pode ser possível? Deve ser a luz fria, a lâmpada fluorescente, a falta de
gente no recinto, falta de calor humano, essas coisas. Por isso, me transporto
para a floresta de Nathaniel, aquela em que a mocinha marcada pelo seu “pecado”
se isola e pode ser ela mesma, sem ter de lidar com caras feias e o medo de não
ser aceita; a mesma floresta em que Goodman Brown descobriu bruxas, demônios e
toda a relva de bizarrices que o acompanhavam desde sempre, e viu máscaras
caírem ao chão num salto em câmera lenta, focando nos rostos repletos de
atrocidades e na trilha sonora amedrontadora. Eu habito essa floresta nesse
exato instante. Ninguém pode me ver além das árvores, das montanhas, das
feitiçarias que existem desde que o mundo é mundo. Sou como um animal, um
tigre, um leão, onça pintada... Não nasci para domesticidades. A minha casa é
aonde eu posso ser quem sou, sem inverdades disfarçadas com sorrisos amarelos e
poucas palavras. É onde a ansiedade eclode, e cá estou eu desfilando sem unhas,
os órgãos tremem, os gritos fazem um mar de ondas sonoras insurfáveis de tão perigosas,
e do céu caem lágrimas que se confundem com as minhas. Às vezes, eu choro por
dentro, um medo estranho de cair no esquecimento, de perder, de não ganhar, de
viver na contra mão. Medo de encarar um incompleto álbum de conquistas – e ainda
ter de se virar com a dor de barriga. Pílulas me agridem a goela, e eu acredito
em seu efeito devastador de almas e cérebros cansados – mas não adianta, ainda
estou acordado. A minha floresta agora é encantada, invadida por um batalhão de
lápis de cor prestes a despontarem uns aos outros numa guerra de cores
perdidas. O arco-íris virou símbolo de piada para os que se acham estrela, e
agora eu não sei se apelo para o preto e branco ou para o sépia – tudo para
sair desse inferno que eu mesmo me meti. Faltou o dinheiro do dízimo, das
contas, do psiquiatra. O remédio precisa ser mais forte. Enquanto isso, cuido
da minha floresta. Ela me salva de mim mesmo e dessas coisas que eu nem sei se
posso chamar de medo, porque todas as definições tão bem registradinhas no
dicionário resolveram se perder nessa minha cabeça louca e nessas minhas
lágrimas que eu solto no escuro, quando ninguém vê, quando o lenço torna-se
desnecessário.
Eles dizem que eu me isolei. Virei bicho do mato. Outro dia,
diziam que eu falava demais, era impulsivo, tremia mais do que devia. A
floresta me aceita assim – talvez porque ela não se importe. E até que é bom
essa coisa de ser só mais um fulano sem a menor importância num mundo feito de
holofotes.
A floresta está dentro de mim.
(Ouça É o que me interessa, Lenine)
